terça-feira, 13 de setembro de 2016

Whisky David - Rusty Rock (1975)


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Durante a sua trajetória como disc-jóquei na rádio Mundial, o Big Boy lançou uma série de produções musicais interessantes. Poucos como ele na época sabia o que acontecia no mundo da música internacional. Muito do que de fato era sucesso passava pelo crivo dele, desde grandes lançamentos de grandes artistas quanto muita coisa obscura, porém de qualidade.

Nos discos dedicados aos seus míticos Bailes da Pesada, ele misturava muita coisa boa de soul norte-americano, como os Meters, quanto faixas obscuríssimas, como "Timothy" (the Buoys) ou "People of the World" que, volta e meia, tocavam nos programas da rádio Mundial — isso ainda numa época romântica do rádio, quando o jabá não moldava 100% da programação de uma emissora.

Aliás, muitos desses artistas obscuros chegaram a aparecer na Mundial ou nos seus bailes, e muita coisa morreu com ele, à medida em que, pelo menos, para os seus fãs, permaneceram porém ligados ao mito do Big Boy.

Um exemplo disso é o Whisky David. A banda virou um sucesso local no Rio por causa dele. Big Boy chegou a incluí-la no disco The Big Boy Show. Muitos que viveram aquela época certamente associam "Charley" aos tempos da Mundial. Porém, por décadas, muita gente não sabia do que se tratava. Dizia-se que era uma banda escocesa. Outros, que era um conjunto de hard rock britânico radicado na Espanha.

"Onde estará o meu amigo Charley? Volta bicho...Cadê aquela sua alegria, sua juventude? A rapaziada tá com saudades de você...". Assim começa a faixa na coletânea do Big Boy — onde o DJ improvisa uma história maluca, de um rapaz que fugiu de casa. Talvez, por conta disso, poucos que soubessem inglês tivessem se dado conta de que a letra é sobre um cachorro, e não sobre uma pessoa. Mas o que muitos não sabiam é que eles haviam lançado um disco inteiro.

O álbum saiu em 75, e se chama "Rusty Rock". Ao que consta, o material caiu nas mãos do Big Boy, que o divulgou por conta, mas nenhuma gravadora se interessou em lançar o disco inteiro — afinal de contas, quem de fato bancava a cena rock no Brasil nos anos 70 eram radialistas como o Newton Duarte. Em 1975, nenhuma gravadora apostaria em bandas de rock — ainda mais um grupo obscuro como o Whisky David, a despeito de todo o seu apelo. Serviu como balão de ensaio, e ficou restrito a Charley que, por sinal, é a única balada do disco.

O mais curioso é toda a mística de anos-luz distantes da Internet deram margem a toda a sorte de especulações e lendas sobre o Whisky David. Muitos chegaram a afirmar que ele era um andrajo, que vivia pelo circuito boêmio de Londres, até que Don Brewer, baterista da Grand Funk Railroad, resolveu chamá-lo para uma jam, depois de vê-lo cantar à capella pelas ruas. Mais tarde, ele teria bancado a gravação que viria a ser o "Rusty Rock". Porém, por problemas contrtatuais, Don não quis assinar a produção do elepê. Dois anos depois, David teria morrido atropelado depois de tomar hectolitros de uísque.

Mesmo depois do advento da Internet, as informações sobre o Whisky David eram escassas. Mesmo assim, o próprio bolachão apareceu pela web, naquela fase de ouro das páginas de upload que apareceram no rastro da novidade do Rapidshare, a partir de 2004 até o Stop Piracy Act, em 2010. Naquele tempo, alguns blogs reproduziram o "Rusty Rock" na íntegra. Contudo, como nada é perfeito, o disco foi ripado do vinil. Ao que consta, até hoje, eu nunca achei o álbum em formato digital.

o que se pode apurar hoje — e até existe um verbete na Wikipedia, é que Whisky David é David Waterston. Um escocês que radicou-se na Espanha em 1966 e , dez anos depois, lançou o seu ú nico trabalho, justamente "Rusty Rock". Waterson era um roadie dos Yardbirds e, naquele ano, montou uma banda, chamada The Shakers (nada a ver com os uruguaios de mesmo nome). na verdade, não fora Don Brewer o idealizador de "Rusty Rock" mas, sim, Fernando Arbex, dos Los Brincos, que produziu o disco. Por conta disso, muitos achavam até que não existisse David nenhum, e o vocalista do Whisky (outra lenda urbana) fosse o próprio Arbex fazendo um impersonator que misturava Bon Scott com Dan McCafferty, o vocalista do Nazareth.
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sexta-feira, 11 de março de 2016

The Future


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Ouvi os Seeds pela primeira vez num programa da extinta rádio Felusp de Canoas, a atual repetidora porto-alegrense da Mix, quando o 107.1 era, de fato, uma college radio inesquecível e excelente, mas que durou pouco tempo, até ser radicalmente modificada em seu prospecto. A Felusp era algo que o pessoal da teoria da comunicação chamaria de "paidéia radiofônica".

Os Seeds eram aquele típico grupo que apareceu no mercado norte-americano depois da catarse promovida pela Invasão Britânica. Em geral, aquelas bandas — hoje rotuladas como "nuggets", por causa da famosa coletânea da Elektra, de 1972, e depois relançada com sucesso em CD.

A maioria dessas bandas que apareceram na esteira da British Invasion naturalmente emulava o 'merseysound', porém preferiam soar quase como bandas de garagem. Muitas são realmente parecidas entre si — desde a sonoridade até o caráter efêmero. Algumas, que foram lançadas como pau-de-sebo pelas gravadoras ianques, interessadas em achar os "Beatles americanos", não iriam além de alguns singles. Outras, contrariando expectativas, conseguiriam um lugar ao sol nas paradas.

Foi o caso de conjuntos como o Kingsmen, que chegou ao nº 2 da Billboard, os Knickerbockers, com "Lies", e os Seeds. Em 1965, eles lançaram "Pushin' Too Hard" que, como boa parte daquela produção "pau-de-sebo", passava batida ou resumiam-se a sucessos locais, estourou meses depois, por causa de um DJ de Los Angeles que, como sempre acontece, descobre um Lado B e transforma em sucesso.

Em 1966, "Pushin' Too Hard" chegou ao 26º na Billboard Pop, e catapultou os Seeds ao mainstream. O single franqueou a banda a gravar seu álbum de estreia.

O interessante nos Seeds é que, a despeito da sua origem comum a todas as bandas norte-americans do seu tempo, quando eles tiveram a chance de lançar long-plays, eles decidiram fazer música "de vanguarda". O primeiro resultado é o A Web of Sound. O disco não vendeu muito na época. Porém, está no mesmo contexto do pré-psicodelismo do período.

O corolário dessa mudança é o sofisticado e conciso Future. O terceiro disco dos Seeds mostra uma evolução considerável, de uma banda garageira para uma produção de álbum que chega ao nível do melhor que se fez naquele fatídico ano de 67 para o rock. Mesmo assim, o disco pela a transição de 66 para o ano seguinte, ou seja, é pré-psicodélico mas bate na trave do conceitualismo que iria tornar-se o mote do pop nos anos seguintes.

Nesse sentido, é importante observar que muito dessa evolução musical corrobora a tese de que o rock dos anos 60 evoluiu justamente quando passou da mentalidade do single para o do álbum. Isso permitiu que fosse possível pensar de forma planejada a concepção de álbuns como um "grande single" (essa é a teoria de Keith Richards na sua autobiografia, por exemplo) e que foi esse fator que garantiria a sobrevivência da maioria dos conjuntos daquele tempo. Ou seja, a evolução do single para o álbum foi um processo tão natural quanto necessário, quando o modelo do compacto simples já não respondia à pretensão, à ambição e as aspirações da maioria das bandas dos anos 60.

Curioso é observar que Sky Saxon, o líder dos Seeds, concebendo Future por conta própria — fazendo uso de overdubbing, e orquestras em arranjos camerísticos, chegaria ao mesmo nível da concorrência, contudo sem perder o acento típico da sua originalidade.

The Future saiu em agosto de 1967 e chegou à 88º posição nas paradas norte-americanas. O compacto do disco, ""A Thousand Shadows", se saiu melhor do que o anterior, "Mr. Farmer" (que foi banido por muitas rádios por achar-se que a letra tivesse referência à drogas), e ficou também pela 72º posição nos singles da Billboard. O curioso é que, mesmo que a produção dos Seeds fosse original, parte da crítica achou que Future fosse inspirado pelo Sgt. Pepper's, dos Beatles — muito embora a maior parte do disco, como "Travel With Your Mind", foram gravadas ainda em meados de 66. Semelhança insólita, como a que aconteceria com os Flamin' Lips e os Rolling Stones, alguns anos depois. Mas isso é assunto para um próximo post.

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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Live Peace in Toronto 1969


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Em setembro de 1969, Eric Clapton havia encerrado abruptamente um projeto que parecia promissor, mas que fora sabotado por ele mesmo: o Blind Faith. Sem saber o que fazer da carreira, ele retornou à Londres, e resolveu que iria exilar-se uns dias em suas casa, em Hurtwood.

Quando finalmente conseguiu sossegar, recebeu um telefonema relâmpago:

- Eric? É o John Lennon.

Antes que pudesse responder, veio a pergunta fulminante:

- O que é que você vai fazer hoje?

- Er, eu? Nada!

- Bem, você quer fazer uma apresentação com a Plastic Ono Band em Toronto?

Na onda dos grandes eventos do tipo Monterey e Woodstock, várias apresentações do gênero começaram a espocar. Dois empresários canadenses, John Brower e Kenny Walker resolveram bancar um show no Varsity Stadium para o dia 13 de setembro de 1969. O objetivo era reunir a nata do velho rock dos anos 50 com jovens atrações dos anos 60. Dessa forma, dividiriam o palco gente como Chuck Berry, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Fats Domino, Bo Diddley com Alice Cooper, Chicago, e os Doors, por exemplo.

Para ser o mestre de cerimônias, Brower e Walker pensaram em John Lennon, já que reunir sua banda, os Beatles, parecia algo fora de cogitação (John fora antes procurado pelo estafe de Woodstock para uma reunião dos Beatles ao vivo. Lennon tentou oferecer a Plastic Ono,porém, foi em vão - ninguém se interessou). John vendeu novamente a Ono Band, e levou. Logo, procurou Alan White para a bateria, Klaus Woorman no baixo e, lembrando-se da feliz união do Dirty Mac no malfadado programa Rock'n Roll Circus, resolveu convidar Clapton para a guitarra solo.

- Sim, claro! - respondeu Clapton.

- Está bem. Então me encontre-me na sala da primeira classe da BOAC no Aero porto de Londres. Depois eu te conto tudo.

Eric chegou em uma hora no balcão da BOAC e encontrou John como na capa do disco Abbey Road - todo de branco. Então contou-lhe do tal evento, chamado Rock and Roll Revival. Clapton e Lennon tinham tocado "Yer Blues" juntos e alguns covers seriam fáceis de tocar, como "Dizzy Miss Lizzy" e "Money", dois standards dos shows dos Beatles, calcados em 12 bar blues; porém, canções novas, como "Give Peace a Chance" e "Cold Turkey", essas estritamente da Plastic Ono Band, nunca tinham sido tocadas com banda.

Para tanto, eles não tinham nem tempo e muito menos espaço para ensaiar. Resoveram virar-se do jeito que era possível: durante o voo. Em sua biografia, Clapton lembra da cena:

- Levamos as nossas guitarras semi-acústicas a bordo e nos acomodamos no compartimento de primeira classe, entre outros passageiros, inclusive o dono da fábrica da navalhas Schick. Ele estava sentado na mesma fila de assentos que nós, e tentou nos divertir dizendo que poderíamos fazer bom uso de suas navalhas para raspar nossas barbas e bigodes. Ele não conseguiu ir muito além disso, visto que, tão logo decolamos, nos concentramos em repassar os números do show, canções como "Be Bop-a Lula", "Yer Blues", "Dizzy Miss Lizzy" e "Blue Suede Shoes" . Tocamos todos sentados em nossas poltronas. Ninguém reclamou, o que, olhando em retrospecto, não era de surpreender, visto que John era uma das maiores estrelas do mundo, e os outros passageiros provavelmente estavam pasmos por estarem no mesmo espaço que ele. Muito curiosamente, não me recordo de Yoko envolver-se em absoluto. Ela ficou sentada quieta no fundo.

Quando todos chegaram em Toronto, caía um temporal gigantesco. Na confusão, John e Yoko sumiram dentro de uma limusune, deixando o resto da banda à própria sorte, até que pudessem fretar uma van até a casa de Cyrus Eaton, um dos maiores magnatas do país. No local, a imprensa esperava pegar alguma palavra de Lennon, mas ele e Yoko recusaram-se a dar declarações. De novo, sobrou para Eric, que pôde engambelar os jornalistas.

Já no Varsity Stadium, eles descobriram que iriam tocar entre Little Richard e Chuck Berry. John ficou perplexo. Para segurar a ansiedade, eles resolveram queimar alguma coisa. Clapton diz que ele e John fumaram maconha até passarem mal. John vomitava os bofes enquanto o estafe tentava reanimar a dupla a tempo de subirem no palco.

A Plastic Ono Band começou a apresentação à meia-noite, diante de um público de 25 mil pessoas, com um primeiro set todo de clássicos do rock e duas inéditas (ao vivo). Para a segunda parte, uma experimentação de vanguarda bem ao estilo da Plastic Ono ("John, John", e "Don't Worry Kyoko (Mummy's Only Looking for Her Hand in the Snow)"), John pediu para que todos deixassem suas guitarras ligadas no último volume ao lado dos amplificadores, até que uivassem de tanto feedback. Yoko interpretou dos temas dela que, no disco do show, lançado em dezembro de 1969, corresponderia a todo o espaço do lado B do elepê.

Clapton: "soou tudo estranho para mim, mais uivo do que canto, mas era o lance dela. John achou tudo muito engraçado, e foi o encerramento do nosso set. Em seguida, nos amontoamos em quatro carros arranjados pelo filho de Eaton Cyrus e voltamos para passar o que restava da noite no casarão. Na tarde seguinte, voamos de volta para a Inglaterra. Meu pagamento pelo show consistiu em uns desenhos de John, que eu perdi com o passar do tempo".

Na semana seguinte, Lennon iria dedicar-se à mixagem da apresentação, para lançamento em disco. Ao mesmo tempo, reuniu a Plastc Ono Band (porém, com Ringo no lugar de White) para a gravação de estúdio de "Cold Turkey" (com Don't Worry Kyoko (Mummy's Only Looking for Her Hand in the Snow) de lado B). Concebida originalmente para o Abbey Road, foi vetada pelos Beatles. Por conta disso, John decidiu não compartilhar com Paul a autoria da canção, como fizera com "Give Peace a Chance".

Ao mesmo tempo, aquele seria o primeiro movimento de John com a intenção ostensiva de abandonar o quarteto. O elepê, intitulado Live Peace in Toronto 1969, não chegou aos primeiros lugares na parada britânica. Acabou tendo melhor desempenho nos Estados Unidos, muito embora a subsidiária da EMI na época, a Capitol Records, recusou-se veementemente a lançar o álbum. A alegação era o tipo de material que havia sido lançada nas produções anteriores, como o Wedding Album. Com muito esforço, Lennon conseguiu convencê-los a prensar o disco. Ainda assim, vingou-se da Capitol mantendo o lado B inteiro com as faixas da Yoko.

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